O mercado de aplicativos de delivery segue sua expansão constante no Brasil. Durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, o crescimento dos apps foi de 94%, um número impressionante considerando que a maior parte da economia caiu.
Para se ter uma ideia de comparação, o Banco Mundial espera que o PIB nacional retroceda em 8% neste ano por causa do coronavírus, enquanto os aplicativos de delivery não só cresceram, como praticamente dobraram de tamanho em apenas 6 meses.
É claro que isso aconteceu parcialmente por causa da crise do novo coronavírus. A pandemia forçou diversos bares, lanchonetes e restaurantes a não atender o público presencialmente e vender apenas por drive-thru e delivery. Obviamente, isso causou um aumento generalizado na demanda de todos os aplicativos de entregas do Brasil, como o Rappi.
No entanto, é fato também que o crescimento desses aplicativos já vinha sendo significativo em anos anteriores, mesmo antes do coronavírus. Isso indica que, em vez da pandemia mudar o setor, ela apenas acelerou aquilo que já era tendência e que aconteceria inevitavelmente.
Afinal, a transformação que o setor alimentício atravessa por causa dos apps é mais antiga, profunda e com impacto muito mais duradouro do que apenas o fator da pandemia.
Já faz algum tempo que os deliveries se tornaram uma poderosa fonte de renda para todo tipo de empreendimento alimentício e não apenas as pizzarias, que foram tradicionalmente o nicho que sempre usou a entrega como opção.
Antigamente, apenas as pizzarias ofereciam esse serviço, com algumas notáveis exceções de lanchonetes.
O que os aplicativos de delivery fizeram foi fornecer uma estrutura para colocar todos os restaurantes e bares dentro desse sistema. Afinal, trabalhar com delivery era caro: a empresa precisava de um aplicativo ou linha telefônica, atendentes para registrar os pedidos e entregadores próprios.
Por isso, poucos eram os estabelecimentos que podiam pagar por isso e conseguir fazer as entregas.
Os aplicativos, no entanto, montaram uma estrutura digital adequada para poder reunir milhões de usuários e restaurantes. Em seguida, conseguiram recrutar um exército de entregadores sem vínculo empregatício definido, o que reduz os custos e permite que a operação ocorra de forma enxuta. Em poucas palavras, eles desenvolveram a estrutura para que qualquer restaurante entregue por delivery.
A mudança foi um aumento de faturamento leve para os bares e restaurantes no Brasil. Apesar do baixo custo e da alta adoção por parte dos empreendimentos, o hábito de consumo do brasileiro não mudou do dia para a noite.
Apesar de hoje não ser improvável que uma família peça um delivery uma vez por semana ou a cada 15 dias, essa não era a norma há 4 ou 5 anos. Talvez até menos, 3 anos.
O crescimento do setor, portanto, depende muito da mudança de hábito de consumo das pessoas e foi esse elemento que mais sofreu impacto com a pandemia do novo coronavírus.
As consequências dessa mudança são significativas. A começar pelo surgimento das cozinhas compartilhadas, que são coworkings culinários. Basicamente, são espaços de grande porte e altamente equipados que permitem que vários restaurantes produzam pratos ao mesmo tempo.
Com isso, os restaurantes e bares sequer precisam trabalhar com atendimento ao público no momento. É possível usar as cozinhas compartilhadas para atender exclusivamente o setor de delivery e registrar um bom lucro com isso, considerando como a demanda é alta.
Outra mudança significativa foi na organização interna de trabalho. Atualmente, existe uma preocupação muito maior em preparar os pratos para delivery e alguns deles já são concebidos justamente para isso.
Uma das preocupações é com as embalagens. Muita gente está dedicada a montar embalagens que ajudem a facilitar a vida das pessoas e das empresas, além de melhorar a qualidade dos produtos. A batata-frita, por exemplo, costuma ficar mole quando é entregue via delivery por causa do seu vapor que fica preso nas embalagens. No entanto, alguns restaurantes já desenvolvem técnicas para evitar isso e servir uma batata sequinha.
Além disso, os empreendimentos passam a contratar e montar equipes focadas exclusivamente no delivery. Como os algoritmos dos aplicativos privilegia quem entrega mais rápido e com mais velocidade, é essencial ter profissionais dedicados exclusivamente a produzir o que é vendido para entrega, de modo a reduzir o tempo de produção.
E os próprios cardápios sofreram alterações. Se em estabelecimentos físicos faz sentido ter um cardápio mais amplo e com mais opções, na Internet isso dificulta a tomada de decisões e diminui as vendas.
Por isso, os restaurantes e bares passam a focar mais em poucos pratos, combos e outras estratégias para conseguir vender mais. Até mesmo a produção de certos pratos, que nunca seriam feitos, passa a ser feita por causa de tendências internas dos aplicativos.
Considerando tudo isso, é seguro afirmar que os aplicativos de delivery tiveram um impacto considerável dentro do setor alimentício do Brasil. No entanto, esse impacto mal começou. Os próximos anos podem apresentar um cenário muito diferente do que esperamos e mudar nossa relação com restaurantes e bares.